Introdução
No cenário jurídico brasileiro, a usucapião se destaca como um meio de aquisição de propriedade pela posse prolongada e ininterrupta de um bem. Recentemente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, em acórdão de 2024 (AgInt no AREsp 2.355.307-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2024, DJe 27/6/2024), que herdeiros podem ajuizar ação de usucapião extraordinária sobre imóvel em inventário, desde que comprovem posse exclusiva e ininterrupta do bem. Este artigo analisa esse entendimento, destacando suas implicações práticas e jurídicas.
Contexto do caso
O caso em questão envolveu um herdeiro que, por décadas, residiu em um imóvel pertencente ao espólio, sem qualquer oposição dos demais coerdeiros. Apesar da longa posse, as instâncias inferiores negaram seu pedido de usucapião, alegando ausência de interesse processual. Contudo, ao recorrer ao STJ, o herdeiro obteve decisão favorável, que reconheceu seu interesse processual e determinou o prosseguimento da ação de usucapião.
Fundamentação legal
A usucapião extraordinária está prevista no artigo 1.238 do Código Civil brasileiro, que estabelece:
“Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé.”
No contexto sucessório, o artigo 1.784 do mesmo código dispõe que, com a abertura da sucessão, a herança transmite-se imediatamente aos herdeiros. Isso implica que, até a partilha, os bens permanecem em condomínio entre os sucessores. Entretanto, a jurisprudência do STJ tem reconhecido que, se um dos herdeiros exerce posse exclusiva e prolongada sobre determinado bem, é possível pleitear a usucapião, desde que atendidos os requisitos legais.
Análise do acórdão do STJ – Usucapião de imóvel em inventário
No julgamento do AgInt no AREsp 2.355.307-SP, a Quarta Turma do STJ reafirmou que o herdeiro com posse exclusiva de imóvel objeto de herança possui legitimidade e interesse para buscar a declaração de usucapião extraordinária em nome próprio. O relator, Ministro Raul Araújo, destacou que a posse exclusiva, mansa e pacífica, sem oposição dos demais coerdeiros, configura animus domini, essencial para a usucapião.
Além disso, o acórdão enfatizou que a extinção do processo nas instâncias inferiores, por suposta ausência de interesse processual, foi precipitada. A correta análise dos requisitos da usucapião demanda instrução probatória adequada, o que reforça a necessidade de prosseguimento da ação para exame do mérito.
Implicações práticas
Esse entendimento do STJ traz importantes repercussões práticas:
- Segurança jurídica: Herdeiros que exercem posse exclusiva sobre bens do espólio podem regularizar a propriedade por meio da usucapião, garantindo segurança jurídica e possibilidade de dispor do bem.
- Desafogamento do Judiciário: A possibilidade de usucapião nesses casos pode reduzir o número de inventários litigiosos, uma vez que permite a regularização de situações fáticas consolidadas ao longo do tempo.
- Função social da propriedade: Ao reconhecer a usucapião em favor do herdeiro possuidor, o ordenamento jurídico promove a função social da propriedade, assegurando que bens cumpram sua finalidade econômica e social.
Exemplo ilustrativo
Considere o seguinte cenário: Maria faleceu, deixando três filhos e um imóvel. Um dos filhos, João, passou a residir no imóvel logo após o falecimento da mãe, mantendo a posse exclusiva por mais de 15 anos, sem qualquer oposição dos irmãos. Durante esse período, João arcou com todas as despesas do imóvel, como impostos e manutenção. Diante dessa situação, João pode ajuizar ação de usucapião extraordinária para regularizar a propriedade em seu nome, conforme o entendimento do STJ.
Conclusão
A decisão da Quarta Turma do STJ em 2024 reforça a possibilidade de herdeiros adquirirem, por usucapião extraordinária, a propriedade de imóveis objeto de inventário, desde que comprovada a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição. Esse posicionamento promove a segurança jurídica e reconhece situações fáticas consolidadas, alinhando-se aos princípios da função social da propriedade e da efetividade dos direitos possessórios. Caso você esteja enquadrado nessa situação, consulte sempre um advogado especializado para uma análise minuciosa das possibilidades.
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